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ANTONINO LOURENÇO

 

“Ler poesia punge, penalisa. Quando ruim, de raiva; quando boa, pela identificação com o poema.
A poesia de Antonino Lourenço vale a penas.”
Xisto Bahia Filho

 

LOURENÇO, Antonino.   Como se a faca fosse o pão. Orelha do livro por Xisto Bahia Filho          e  Márcia Brito. Capa: Wilson Loureiro. Rio de Janeiro: Edição do Autor,  1977    85 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda, doação do livreiro José Jorge Leite de Brito.

 

A SETA

A seta indica o lado a seguir
não o lado certo.

A seta indica o lado menos íngreme
não o lado mais adequado.

A seta indica o lado mais percorrido
não o lado mais livre.

A seta indica o lado mais visto
não o lado mais sabido.

 

FERRAMENTAS


As palavras são
úteis ferramentas
para que eu te dê
frases construídas.
Mas não te limites
a esta escrita torta,
sabe que as palavras
todas têm porta.

São amigas vítreas
que se dão ao nosso
rude conhecer;
de corpo visível;
neste além da folha,
na razão atenta,
coisa de homem ágil.

São o que não dizes
nesses teus dizeres
que até te fingem
sem te aperceberes.

No ser da palavra,
em sua essência muda,
deixa-te perder,
que encontrarás
sem nenhuma ajuda
tudo o que há muito
tentavas saber.


REFLEXOS


Na extensão da palavra
corre o demagogo
e seus orais
malabarismos..
Na extensão da cor
caminha o pintor
mesclando tons
fincando visuais.
No fio da faca
anda o assassino
esburacando a carne
extraindo tripas.

No ventre da bala
mora a morte prévia
em sua fora plúmbea,
exata e séria.

No sentido da pedra
reside a estática
desafiando movimentos,
rodas, ventos,
a informática.

Mais acordada que o despertar
é a insônia.
Mais sequioso que o deserto
é o ser ressecado.
Mais preciso que o relógio
é o bater do martelo.
Mais conciso que a panela
é o alimento.
Mais sábia que o saber
é a experiência.

Uma sociedade
não é mais exata que uma instituição;
nem uma instituição
mais exata que uma palavra;
nem uma palavra
mais exata que um número;
nem um número
mais exato que um homem;
nem o exterior de um homem
mais exato que seu interior.

ao cabo da água
mais sede
ao cabo do pão
mais fome
ao cabo do roubo
mais ladrão
ao cabo da enxada
mais chão
ao cabo da bota
mais pressão
ao cabo do chute
mais violência
ao cabo das classes
mais distância
ao cabo do olho
mais nexo
ao cabo do feto
mais esperma
ao cabo do homem
mais jugo
       

 

ONDE NÃO SABES

Onde vais ao desabares dentro
onde contornas tua mágoa pesada?

Nos braço de pedra
da praça branca;
nos sonhos concisos
do já vivido;
ou nas formas modernas
de se escapar
que apenas contém
a lógica fuga
através do sofrer?

Onde não sabes
que se pode ir?

 

A LIBERDADE E O ANALISTA

A liberdade
tem ido muito
ao analista,
ultimamente.

Sente-se mal
vive penando
ao ser proibida
de habitar gente.

Nisso reside
séria razão
do seu complexo
de abandonada.

Se ela tivesse
um corpo humano
já a teriam
esquartejado.

Como não tem...
há transferência,
pobres coitados
que a ela aspiram.

E é por isso
que não existe
coisa mais livre
que a escravidão.

Pois, manifesta-se
abertamente
sem que seja
repreendida.

Analisar
a liberdade
sem lugar próprio
em homens livres
não tem sentido.

Mas deve haver
sempre no peito
dos homens presos
a eterna chama
que se esparrama
e faz sentido.

 

*

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Página publicada em fevereiro de 2022


 

 

 
 
 
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